“O maior palco sem o protagonista- Um espetáculo de ausências”, por Rivelino Liberalino

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Petrolina está linda.

O palco é monumental. As luzes, impecáveis. A cenografia, de encher os olhos. O investimento, digno de nota. A multidão, viva, alegre, vibrante.

Mas falta algo. Falta o que não se compra com edital, com patrocínio ou com produção de marketing.

Falta o dono da festa.

Na abertura do São João de Petrolina, em 13 de junho, o que se viu foi uma sucessão de estrelas — mas nenhuma delas brilhou com a luz da sanfona. Nenhuma nasceu do chão quente do sertão. Nenhuma cantou o xote, o baião, a história de um povo que aprendeu a transformar dor em dança, escassez em celebração, saudade em canção.

Não vimos um só sanfoneiro. Nenhum fole, nenhum triângulo, nenhuma zabumba. Nenhuma alma nordestina no centro do palco.

E o que mais assusta não é a ausência em si — é o silêncio cúmplice de quem assiste e aplaude, como se tudo estivesse bem. Como se forró fosse acessório, e não essência. Como se a raiz fosse descartável, e não sagrada.

A pergunta que não quer calar é: desde quando o dono da casa precisa de convite para entrar em sua própria festa?

Enquanto Flávio Leandro canta verdades sobre o sertão nos bastidores, artistas de fora, com cardápio musical comercial, ocupam os holofotes com hits que não dizem nada sobre nós.

Enquanto Dorgival Dantas emociona multidões com seu xote sincero, é ignorado em festas que se dizem “juninas”.

Enquanto Elba Ramalho segue sendo altar de brasilidade e ancestralidade, preferem-se nomes do momento que sequer sabem diferenciar um arrasta-pé de um axé.

Não se trata de bairrismo. Trata-se de respeito.

O São João não é apenas uma grade de atrações. É um rito. É um código de memória coletiva.

Desfigurá-lo não é modernizar. É profanar.

Trazer artistas de fora, sem espaço para os mestres do forró, é como montar um presépio sem o menino Jesus. É encenar uma ópera sem músicos. É organizar um velório da nossa cultura com palmas e fogos.

E, veja bem: não é proibição que se pede — é equilíbrio.

Não é fechar as portas à diversidade — é não expulsar o que é nosso do centro da festa.

Estamos confundindo modernidade com amnésia. Estamos embalando o esquecimento com som de caixa eletrônica. Estamos permitindo que o São João, nossa celebração mais simbólica, se torne um produto genérico, embalado a vácuo, pronto para exportação — sem cheiro de milho assado, sem cheiro de fogueira, sem sotaque.

A cultura não é um detalhe. É a alma de um povo.

E aqui é necessário fazer uma ressalva justa e honesta: este artigo não tem qualquer cunho político-partidário. Pelo contrário, reconhece e parabeniza a atual administração e os gestores públicos de Petrolina pela estrutura monumental da festa — que, sem dúvida, reflete a pujança e o crescimento da cidade.

O que aqui se expressa é apenas um apelo — sereno, mas firme — para que essa mesma grandeza se estenda também à preservação da nossa cultura. Que a beleza da festa abrace também a beleza da nossa identidade. Nada mais. Nada menos.

E, quando se tira a alma de uma festa, o que resta é só o barulho.

Petrolina tem o maior palco do São João, mas está deixando vazio o seu coração.

Ainda há tempo de reconduzir o protagonista ao centro da cena. Ainda há tempo de ouvir a sanfona. Ainda há tempo de ensinar às novas gerações que forró não é passado — é permanência. Que Flávio Leandro, Elba, Maciel Melo, Dorgival, Petrúcio, Targino, Flávio José não são relicários. São vivos, urgentes, necessários.

Nordeste que esquece sua raiz está pronto para ser podado. E pior: aplaude o corte.

Que essa festa tão linda não se transforme em um espetáculo de ausências.

Que o maior palco volte a ser sagrado.

E que o povo volte a dançar — não por vaidade, mas por identidade.

Por Rivelino Liberalino, advogado

5 COMENTÁRIOS

  1. A leitura é um retrato do que se pode fazer para eliminar o que culturalmente nos constrói. Uma festa bonita, mas que deixa suas tradições ao esquecer. Vi muitos comentários no instagram falando que quando tem, ninguem vai. Será pq as atrações que cantam o nordeste são colocadas em dias e horários em que as pessoas que gostariam de participar, precisam no outro dia trabalhar? prova é que o show do grande encontro, que não tem seu repertório, dentro do que configura o São João, foi apresentado ao público no domingo, vespera de uma segunda, em que tantos precisam chegar cedo ao seu trabalho, levar seu filhos as escolas? pq será? sem contar a abusiva cobrança dos bares para se sentar; camarotes nem se fala. E isso para um festa que é feita com dinheiro público. são muitos pontos a citar. prefiro ficar eu no meu espaço, e curtir meu são joão na companhia da minha familia, vivendo nossas tradições.

  2. Parabéns grande Rivelino Liberalino, expressou com sabedoria e lucidez exatamente o que todos os nordestinos sentem. A nossa festa é “do outro”, há muito perdeu a essência e, nesta dança de cadeiras, nossa cultura, o nosso São João, há muito foi pro brejo. Que outras vozes se levantem, façam coro a sua e os poderes constituídos revejam suas ações.

  3. Esclarecedor, necessário e poético, parabéns pela lucidez e pelo protesto coerente com tons poéticos, mas também denunciadoras. !!! Seguimos

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