“Juazeiro: assuntar para re-exisitr” por João Gilberto Guimarães

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O escritor e pesquisador Edilberto Trigueiros, há uns bons 70 anos atrás, definiu assuntar da seguinte forma:
“Prestar atenção. Home, deixe de conversa, assunte o que o dotô tá dizendo. Emprega-se também como repreensão, advertência ou manifestação de desdém. Vá se assuntá, que é como quem diz: procure o seu lugar, não seja atrevido.”

E eu, atrevido que sou, gosto muito de assuntar. De pensar essa terra em todas as suas potencialidades. Juazeiro, cidade ribeirinha banhada pelo São Francisco, é também o eixo de uma cultura híbrida, potente, rica — mas tantas vezes invisibilizada, engolida pela lógica do mercado, do agronegócio, da monocultura sonora.

O que defendemos aqui é um movimento — chamemos de Cultura Sanfranciscana, Carranquismo(?) — que, à semelhança do Tropicalismo e do Manguebeat, reconheça a força da tradição para construir o futuro. Um movimento que misture o folguedo e o beat, o aboio e a guitarra distorcida, o repente e o spoken word, a carranca e a tela digital. Uma cultura que transite livremente por todas as linguagens — do cordel ao audiovisual, da performance às artes visuais, da música à moda, do teatro a poesia — mas que tenha como centro vital a língua e o folclore do São Francisco.

É preciso dizer: a noite juazeirense, outrora porto da boemia, das rodas de samba, do violão torto e das ideias soltas, enfraqueceu a olhos vistos ao longo dos últimos anos. A boêmia criativa vai se fechando, os palcos minguam, os artistas se retiram, dando lugar a espaços do simples fazer etílico. O que antes pulsava como um coração elétrico agora bate em silêncio ou se reduz à reprodução de hits empacotados e repetidos semanalmentedesprovidos de alma local.

Onde estão os espaços para o novo, para o alternativo, para o contraditório? Onde estão os sons que não cabem na grade da rádio nem no algoritmo das plataformas no repeteco das sonoridades da orla.

Juazeiro, terra de João Gilberto, Ivete Sangalo, Miécio Caffé, de Parlim tantos outros, sempre foi celeiro de invenção. Mas esse celeiro precisa de terra fértil, de irrigação simbólica, de política pública, de público atento.

Apesar do cenário adverso, novas sementes estão sendo lançadas. A Escola de Pintura de Juazeiro, revitalizando a expressão visual da cidade com formação e criação crítica, o Braz Bar Club, cravado no beco do museu, que reanima a noite com shows autorais, discotecagens ousadas e um público que quer dançar e pensar, as terças da bossa na Vila Bossa Nova e mais recentemente o Studio Ducacto,sob a batuta do rapper e artista visual Euri Mania, que chega prometendo novidades.

Esses espaços são mais que estabelecimentos: são microterritórios de resistência cultural, onde se costura uma nova estética, um novo pertencimento.

A Cultura Sanfranciscana que propomos (sonhamos)é uma cultura do rio — viva, fluente, fluida. Que carrega em si os mitos da beira, os saberes do mato, os sotaques da travessia. Que não separa o popular do experimental, o ancestral do contemporâneo. Que bebe da fonte de João Gilberto e Galvão, mas também do trap dos subúrbios, da dança queer, da colagem digital.

É preciso assuntar essa terra com cuidado e rebeldia e pesquisa também, prestar atenção nas histórias que ela conta — e principalmente nas que ela cala. Criar um movimento que valorize o que é daqui, sem se fechar ao mundo. Porque Juazeiro sempre teve tudo para ser o centro de um movimento cultural radicalmente híbrido, transgressor e amoroso.

E que a gente, atrevido que é, continue assuntando — e agindo.

Por João Gilberto Guimarães Sobrinho, poeta, produtor cultural, cientista social juazeirense.

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