“Não foi a comida, foi a ignorância – um chamado à união diante da ofensa”, por Rivelino Liberalino

2

 

Hoje, ao percorrer as redes sociais, me deparei com uma cena que, mais do que surpreender, feriu. Uma backing vocal da banda dos artistas Zezé de Camargo e Luciano, ao referir-se à comida servida na querida cidade de Floresta, ousou classificá-la como “lavagem”.

Não escrevo movido por vaidade de representar um povo, mas por gratidão a ele. Falo como alguém que conhece o solo quente e generoso do Sertão pernambucano, que já foi recebido nas casas humildes e altivas daquele povo que serve com fartura o que tem – e o que é. Em Floresta, não se serve comida: serve-se dignidade em forma de sustança, afeto no tempero, acolhimento em cada colher. Lavagem? Só se for de alma.

A criatura infeliz que lançou tal impropério talvez ignore que palavra dita e pedra lançada não voltam atrás. E lançada foi, no instante mais delicado da cultura nordestina, num momento em que tantos de nós sentimos a perda de espaço, o desdém pelas nossas raízes, o silenciamento das nossas vozes. A fala não foi só infeliz – foi cruel. Porque despreza, numa frase, séculos de resistência, sabores herdados, histórias cozidas em fogo lento, sob o céu de Floresta.

Mas não confundamos um ato isolado com um povo. Não se responda a ignorância com ódio. Ao insensato, dá-se a estrada – mas ao Brasil, oferece-se consciência. Não é hora de cavarmos abismos entre “nós” e “eles”. Não é Nordeste contra Sul, não é sertão contra cidade. Antes de sermos sulistas, nortistas, do centro-oeste ou do litoral, somos um só povo: o povo brasileiro. Um povo que sofre junto, que chora junto, que reparte a pouca farinha quando um irmão tem fome. Foi assim quando o Sul precisou. Foi assim quando o Norte gritou. É assim que o Brasil é bonito.

Floresta e seu povo são a síntese do que há de mais nobre em nós. Em cada panela no fogo, há mais que sustento – há memória, afeto, fé e resistência. Porque o que se cozinha no Sertão não é só comida: é pertencimento. E quem despreza isso, despreza muito mais do que um prato – despreza um país inteiro.

É hora de acordar. De enxergar como somos manipulados, fragmentados, distraídos enquanto desmontam nossos valores. Há um projeto em curso – e ele não quer apenas dividir regiões. Ele quer separar irmãos. Quer zombar da nossa arte, da nossa música, da nossa cozinha, da nossa fé. Mas não permitiremos. Não com silêncio. Não com indiferença.

Euclides da Cunha, do alto de sua lucidez, já nos advertia: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. E é com essa fortaleza que respondemos – com altivez, com ternura, com dignidade.

Que esse episódio, tão pequeno diante da grandeza do povo nordestino, sirva como espelho. Para que reflitamos. Para que despertemos. Para que, ao invés de alimentar a discórdia, reacendamos o que temos de mais precioso: nossa consciência de povo.

E que Floresta, com sua beleza autêntica, sua mesa farta e sua alma quente, siga sendo exatamente o que sempre foi: um santuário de afeto no coração do Brasil.

Por Rivelino Liberalino, advogado

2 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pelo texto. Muito bonito e é essencial que se espalhe e chegue onde precisa. Agora fiquei curiosa de conhecer Floresta e sua mesa farta.

DEIXE UMA RESPOSTA

Comentar
Seu nome