Vivemos hoje no Brasil uma onda de violência alarmante. Crimes brutais estampam os noticiários e nos causam comoção imediata, indignação profunda e um grito de pedido por justiça. São tragédias que dilaceram famílias e expõem nossa sensação de impotência.
Mas há algo que precisamos ter coragem de enxergar: existem outros crimes, tão ou mais graves, que não aparecem com o mesmo estardalhaço nas manchetes. Crimes silenciosos, frios, calculados. Eles não espirram sangue nas telas, mas matam — matam muito mais.
São crimes praticados em gabinetes e escritórios, com assinaturas e carimbos, por quem jurou servir ao povo: nossa classe política.
Um político que desvia verba da saúde não rouba apenas dinheiro: ele rouba vidas. Nega remédios, exames, cirurgias. Planta funerais anônimos, sem coroas nem manchetes.
Quem desvia recursos da educação assassina o futuro. Condena crianças à ignorância, perpetua o ciclo da violência e mantém gerações presas à pobreza e à dependência.
Esses crimes raramente ganham o noticiário policial — mas matam muito mais.
É preciso perguntar com honestidade: a quem interessa manter o povo na ignorância, na carência, na dependência? Que sede de poder é essa que transforma o sofrimento do outro em estratégia eleitoral?
O mais doloroso é ver como somos manipulados.
Enquanto boa parte da classe política — salvo honrosas exceções — encena seu grande teatro, nós nos dividimos. Brigamos entre nós por partidos e líderes que muitas vezes jamais sentirão na pele a dor do povo que dizem representar.
E assistimos ao espetáculo mais deprimente: adversários que ontem se atacavam como inimigos mortais hoje se abraçam como velhos amigos, prontos para dividir o poder. A política, muitas vezes, não é um embate de ideias — mas um grande acordo de conveniências onde quem fica de fora é o povo.
Estamos tão distraídos, tão anestesiados, que não percebemos que somos as verdadeiras vítimas.
A eleição virou, tristemente, a única festa em que o pobre é convidado com tapinhas nas costas e promessas calorosas. Ali ele é importante. Ali ele é ouvido. Mas só até contarem os votos.
Sejamos sinceros: isso chega a ser quase risível — e seria até cômico, se não fosse trágico.
São sempre as mesmas encenações. As bandeirolas tremulando, os discursos decorados, o circo montado para encantar um povo carente de atenção.
É aquele político que chega, que entra na casa da pessoa humilde, toma um café com sorriso aberto — e nunca mais volta. Mas posa de “bom”, de “simpático”, de “cativante”. E, para muitos, isso basta.
É duro dizer, mas necessário: precisamos ficar atentos.
Não podemos nos contentar com migalhas.
Não podemos aceitar favores vendidos como grandes gestos.
Não podemos permitir que nos façam mendigar direitos que são nossos por justiça.
É preciso ter coragem para afirmar: obra pública não é favor. Político não é benfeitor. É servidor.
Eles têm obrigação — obrigação constitucional, moral e ética.
E nós, eleitores, temos também um papel essencial.
Quando trocamos consciência por interesse próprio, quando cedemos ao benefício individual sem pensar na coletividade, quando vendemos nosso voto ou aceitamos migalhas em troca de apoio, nos tornamos cúmplices desses crimes.
Cúmplices do desvio que mata. Da corrupção que adoece. Da ignorância que escraviza.
É importante dizer com clareza: este texto não é partidário. Não tem cor política. Não pretende atacar um lado para defender outro. O que há aqui é um pedido sincero para que o povo (nós, o povo) pare, pense e reflita. Para que tire essa venda dos olhos — pelo amor de Deus — e perceba que não existe mudança real sem consciência, sem responsabilidade, sem cobrança, sem que nós também mudemos nossa postura.
Esse é um convite para todos nós — povo e classe política. Que possamos lembrar da nossa condição de mortais, tão frágeis, tão iguais. Somos feitos da mesma argila. Viemos do mesmo pó e ao pó retornaremos.
Que não endeusemos homens comuns. Que não construamos altares para simples mortais. Eles são servidores públicos. São gente como a gente. Que se lembrem de servir ao público com humildade e compromisso.
Que tenhamos coragem de fazer um diferencial na vida do outro, nessa doce e breve ilusão chamada vida.
Que cada um — especialmente quem escolheu servir ao povo — faça sua existência valer a pena.
Que não seja uma vida de aparências, mas de significado.
E que ao final, possamos ter a paz de olhar para trás e dizer que valeu a pena existir — porque fizemos valer a pena para os outros também.
Que nossa passagem por aqui tenha sido luz, consolo, transformação.
Que tenha sido, de verdade, humana.
Rivelino Liberalino, advogado