A notícia do adolescente que dopou, assassinou os pais e o irmão de apenas quatro anos, jogando seus corpos numa cisterna e, posteriormente, afirmando que faria tudo de novo, nos atravessa como um grito silencioso daquilo que está adoecendo profundamente nossa sociedade.
A princípio, o horror. O espanto. A tentativa quase automática de buscar respostas lógicas para o ilógico. Como é possível? O que pode levar um jovem a esse ponto de ruptura? A essa frieza?
Mas a psicanálise não busca culpados busca escutar o que está por trás do ato. E ali, no silêncio entre os fatos, se escuta o abandono disfarçado, a ausência não dita, o amor não vivido.
Esse adolescente não nasceu assassino. Ele nasceu bebê. Alguém o olhou um dia com ternura. Alguém talvez o desejou. Mas algo se perdeu no caminho. Ele encontrou na tela o que faltava no olhar. No namoro virtual iniciado num jogo online, talvez tenha sido a primeira vez que se sentiu visto, importante, desejado.
Os pais, como tantos outros, possivelmente estavam também reféns das próprias telas, da pressa dos dias, do peso da sobrevivência. Na tentativa de dar tudo, talvez tenham dado de menos: tempo, escuta, presença verdadeira.
Não se trata de culpabilizar os pais trata-se de reconhecer um mal-estar generalizado, um adoecimento coletivo, onde pais e filhos estão lado a lado, mas emocionalmente apartados.
A virtualidade passou a preencher o que o laço real deixou vago. O mundo online virou morada de amores impossíveis, identidades inventadas, relações sem corpo e sem freio. E quando os pais tentam intervir como no caso da reprovação ao namoro muitas vezes já é tarde. O vínculo real não foi fortalecido. E onde não há vínculo, nasce a violência.
Este caso é um grito extremo, mas não isolado. Ele denuncia o quanto estamos expostos emocionalmente, psiquicamente, eticamente. Quantas crianças e adolescentes estão crescendo em casas onde há comida, mas não há partilha? Onde há acesso à internet, mas não há acesso ao afeto?
Os sinais estão por aí: o isolamento crescente, o olhar perdido, o sono desregulado, a irritação constante, a ausência de fala espontânea. Mas poucos têm tempo ou preparo para escutar.
Pais e cuidadores, é preciso reverter essa lógica. Trocar o tempo de tela pelo tempo de olho no olho. Saber o que seu filho sente, com quem fala, o que assiste. Não para controlar mas para construir. Porque amor sem presença não educa, não sustenta, não protege.
A tragédia não pode ser apagada. Mas pode nos convocar a um compromisso: que nenhuma outra criança precise gritar com sangue para ser ouvida.
Leonnardo Araújo, Psicanalista