Rildeny Modesto Batista, 24 anos, assassinada em 21 de março de 2016. Marineuza Ferreira Costa, 55 anos, assassinada em 11 de outubro de 2016. Noêmia Ribeiro, 45 anos, assassinada em 5 de setembro de 2017. Quele Sabrina Chaves Santos, 34 anos, assassinada em 19 de outubro de 2018. Alice Nilza Rodrigues, 18 anos, assassinada em 17 de janeiro de 2019.
Nomes, idades, famílias e caminhos diferentes. O que essas mulheres têm em comum, entretanto, é que todas tiveram suas vidas ceifadas, de forma brutal, por companheiros ou ex-companheiros, no município de Juazeiro, norte da Bahia. Todas foram vítimas de violência doméstica, fenômeno social que atinge mulheres independente de raça, classe social, etnia, religião, orientação sexual, idade e grau de escolaridade.
Esse tipo de violência costuma se manifestar de diversas formas (seja verbal, patrimonial, psicológica, física e sexual), e pode ocasionar, inclusive, a morte da vítima, assim como aconteceu também com Laíse dos Santos Silva, assassinada no dia 20 de junho de 2017. A jovem, que na época tinha 20 anos, foi morta com disparos de arma de fogo quando saia do trabalho pelo ex-companheiro, Cléber Araújo dos Santos.
(foto: arquivo)
A jovem conheceu o agressor quando tinha 17 anos. Eles passaram três anos juntos. Segundo a mãe da vítima, Cléber sempre teve um comportamento agressivo, desde o início do relacionamento, entretanto, a vítima não relatava ou tentava esconder as situações de agressão da família. “Uma vez ela chegou em casa com o olho machucado e cheio de band aid. Quando perguntamos, ela disse que era uma espinha. Eu nunca acreditava nisso e até falei que uma espinha não ia causar tudo aquilo. Ela sustentou essa desculpa durante várias semanas”, contou a mãe.
Laíse também sofreu algumas tentativas de homicídio. Em uma das situações, o companheiro tentou atropelá-la, quando descia de um mototáxi, após chegar do trabalho. Numa outra situação, Cléber chegou a ir na casa da família, por volta das seis horas da manhã, e tentou obrigar a jovem a abrir a porta da residência. Como Laíse se negou, e houve a intervenção da mãe, Cléber efetuou três disparos de arma de fogo na casa da vítima.
A família providenciou a ida da jovem para São Paulo, na tentativa de afastá-la do agressor, porém, segundo a mãe, ela foi iludida pelo ex-companheiro e voltou com cerca de quinze dias. “Ele é manipulador, frio, calculista. Consegue enganar as pessoas, assim como fez com ela”, desabafa. “Ela dizia que ele ia mudar. Era um relacionamento que você via que não ia dar certo. Todo dia eu dizia ‘Laís, pelo amor de Deus, larga esse homem, ela não quer nada com você.’ Ele era possessivo. Mas ela dizia ‘menina, ele faz isso pra vê se eu tenho medo, mas ele não tem coragem de me matar'”, complementa a mãe, que revela ainda que as agressões eram motivadas por ciúmes.
Mãe de Laíse (foto: Thiago Santos/PNB)
Medida protetiva – A jovem chegou a prestar cinco queixas contra o agressor, sendo que a primeira delas foi retirada após ele ludibriar a vítima, e as demais, por falta de interesse de Laís, que acabava perdoando o feminicida em potencial, não tiveram andamento. No último boletim de ocorrência prestado, Laíse conseguiu, junto à Justiça, o direito à Medida Protetiva de urgência, mecanismo assegurado na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) que impõe algumas condutas ao agressor, como a proibição de aproximar-se da vítima, a fim de protegê-las de outros episódios de violência. Entretanto, conforme a mãe, o ex-companheiro chegou a armar uma emboscada para atrair a vítima, mesmo com a Medida Protetiva. Desta vez, Laíse foi estuprada pelo ex-companheiro.
“Nessa época, ela ainda trabalhava como cabeleireira. Ele contratou uma pessoa, que agendou o serviço com Laíse. Quando ela chegou na casa da mulher, lá na Piranga, ela (a suposta cliente) saiu e disse que voltava em pouco tempo. Foi então que ele (Cléber) entrou, pôs um cadeado na casa e disse que ela só ia sair de lá se fizesse relação com ele, que estava armado, inclusive. No final, ele ainda chamou um mototáxi e quando ela saiu, ficou acenando e mandando beijos pra ela. Ele é psicopata, um manipulador”, diz a mãe.
Maria acredita que houve falha da justiça. “Depois de dar os tiros na porta de casa, ele fugiu e se apresentou na delegacia uns quinze dias depois. Ele foi ouvido, deu a versão dele, e foi liberado. Acho que a delegada deveria ter expedido um Mandado de Prisão contra ele naquele mesmo dia. Nada disso teria acontecido”. Semanas após o ocorrido, Laíse dos Santos foi assassinada.
Justiça – Cléber Araújo foi preso no dia 3 de julho no município de Itaberaba, na Bahia, distante cerca de 450 km de Juazeiro, com a arma utilizada no crime. O julgamento foi realizado no dia 22 de novembro do mesmo ano. Cléber foi condenado a uma pena total de 23 anos e 6 meses por homicídio qualificado, com qualificadora de feminicídio, crime praticado contra mulheres baseado no gênero, ou seja, em decorrência do fato dela ser mulher, e que está previsto no Código Penal Brasileiro, e pela tentativa de homicídio contra Anderson de Souza, mototaxista que transportava a vítima no momento do crime e que também foi atingindo pelos disparos. Anderson sobreviveu a tentativa.
Apesar de sentir aliviada com a prisão, Maria confessa que esperava uma punição mais dura. “Imaginei que ele ia pegar uma pena maior. Ele premeditou o crime. A Justiça não é como a gente quer, mas, eu, como mãe, gostaria que ele tivesse uma pena ainda maior, que apodrecesse na cadeia e nunca mais saísse, para que ele não mate mais nenhuma mulher. Tenho certeza que um psicopata daquele, quando sair da cadeia, vai fazer novamente”.
Mãe de Laíse e Quitéria Lima (foto: Thiago Santos/PNB)
A culpa não é da vítima – As opiniões de terceiros costumam tecer comentários que, na maioria das vezes, tentam justificar a conduta dos agressores, sustentando, portanto, a ideia de que a culpa de ter sofrido qualquer tipo de violência, foi da vítima. Alguns ditos populares, ainda hoje, costumam perpetuar a ideia de culpabilização da vítima. “Gosta de apanhar”. “Fica porque quer”. “Homem é assim mesmo”. “O que ela fez pra apanhar?”.
Entretanto, segundo a diretora de mulheres da Secretaria de Desenvolvimento Social Mulher e Diversidade (SEDES) de Juazeiro, Quitéria Lima, que vem acompanhando, sistematicamente, os casos de feminicídio, em Juazeiro, essa é uma conduta também comum entre os agressores. “Quando estão em julgamento, ou mesmo quando já estão presos, cumprindo a pena, eles culpam e falam mal das vítimas, acabam com a conduta dessas mulheres, para justificar que matou porquê ela mereceu ou porquê traiu. Eles matam a elas e a família, mais uma vez. É destruidor o que esses homens fazem. É muito difícil, tudo que isso que acontece, tanto para a família, quando para nós, mulheres. Acompanhar todos esses casos não é uma tarefa fácil”, disse.
É preciso entender, entretanto, que fatores como as dependências emocional e financeira que essas mulheres costumar criar com os agressores, explicam o porquê de muitas continuarem nos relacionamentos abusivos. Fatores como a vergonha de denunciar a situação a uma unidade especializada, que muitas vezes são ambientes que não oferecem uma boa recepção às vítimas, por, inclusive, despreparo dos profissionais, e o medo de sofrer alguma retaliação, também contribuem para essa permanência. E assim acabam entrando em um ciclo de violência, que não é fácil ser rompido. É necessário o apoio da família, dos amigos, da rede de mulheres, para libertá-las deste ciclo”, afirmou Quitéria.
Culpa – Dois anos e meio se passaram e a ferida ainda não foi cicatrizada. A família ainda tenta lidar com a dor que a falta de Laís faz. Para mãe, os dias ainda são de dor, sofrimento, e sentimento de culpa. “Laíse foi criada na roça. Era uma pessoa simples e que não tinha a maldade do povo da cidade. Ela veio para cá (para a cidade) para estudar. Minha mãe, a avó dela, não queria, mas nós insistimos, e, infelizmente, aconteceu o que aconteceu. Parece que eu não tive competência para cuidar de Laís. Queria ter sido enterrada com ela”, desabafa.
A dor de Maria, a mãe de Laís, é a mesma dor que muitas famílias vivem até hoje. Uma dor que é ainda maior para aquelas famílias cujos os crimes não foram julgados. Para estas, resta então, a luta por justiça.
Feminicídios – Os crimes de feminicídio tem crescido no Brasil, é o que mostra o Monitor da Violência, levantamento realizado pelo G1 em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Embora o Brasil tenha registrado uma redução de 14% nos crimes de homicídios dolosos de mulheres em 2019 (foram 3.739 casos), em relação ao ano anterior, o número de casos específicos de feminicídios aumentou em 7,3%. Foram 1.314 crimes assim categorizados em 2019 – um a cada 7 horas, em média – maior número já registrado desde que a lei entrou em vigor, em 2015, segundo a pesquisa.
A Bahia também registrou aumento no número desse crime específico. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), foram 101 casos registrados em 2019, contra 76 em 2018, um aumento de cerca de 33%. Já no que diz respeito ao número de homicídios dolosos de mulheres, foram 398 em 2019, contra 422 no anterior, segundo o Mapa da Violência.
Outros casos de feminicídios/homicídios contra mulheres, em Juazeiro
(foto: montagem/PNB)
Rildeny Modesto Batista, 24 anos – encontrada morta dentro de um quarto no Residencial Praia do Rodeadouro no dia 21 de março de 2016. O autor, Francisco dos Santos Gonzaga, foi condenado a dez anos de prisão, em regime fechado, por homicídio simples, ou seja, quando o crime é cometido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, conforme prevê o Código Penal. O júri popular, composto por sete homens, não acatou as acusações do promotor Raimundo Moinhos, e recusou a tipificação de feminicídio (relembre).
Marineuza Ferreira Costa, 55 anos – assassinada a facadas na noite no dia 11 de outubro de 2016, no bairro Olarias, por Dejair Silva da Costa, com quem era casada há 40 anos. Ele oi condenado a 23 anos pelo crime de feminicídio (relembre).
Jucy Silva – morta a facadas pelo ex-companheiro em 7 de janeiro de 2017. O crime aconteceu no Distrito de Itamotinga. Após o crime, fugiu com seu comparsa em uma motocicleta, e nunca foi localizado (relembre).
Maria Nely do Egito Neto, 50 anos – assassinada a facadas pelo o ex-marido, Laércio José Neto. O crime aconteceu na noite do dia 11 de janeiro de 2017, no bairro Piranga. O assassino foi preso em flagrante (relembre).
Maria Aparecida Oliveira da Hora, 30 anos -assassinada dentro de casa e na frente do filho de 5 anos , no bairro Dom Tomaz, em 17 de julho de 2017. O corpo foi encontrado em cima de uma cama com a boca, mãos e pés amarrados, e apresentava sinais de violência e asfixia. O suspeito é Valdemir Ferreira dos Santos Souza, ex-companheiro da vítima (relembre).
Noêmia Ribeiro, 45 anos – seu corpo foi encontrado numa cova, ao lado do carro da vítima, que foi incendiado, no povoado de Bicas, próximo a cidade de Campo Formoso, no dia 9 de setembro de 2017. A vítima era moradora do bairro Senhora da Penha, em Juazeiro. José de Jesus, de 49 anos, principal suspeito, foi preso em fevereiro de 2018 em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo (relembre).
Quele Sabrina Chaves Santos, 34 anos – assassinada em 19 de outubro de 2018, dentro da sua própria residência, na rua do Limoeiro, no Residencial São Francisco, na frente do filho, que tem 11 anos da idade. O principal suspeito, Cleiton Adriano Ribeiro dos Santos, ex-companheiro da vítima, foi encontrado morto dois dias após o crime. A suspeita é que ele tenha cometido suicídio (relembre).
Alice Rodrigues, 18 anos – o corpo da jovem foi encontrado em um terreno, próximo a Universidade do Estado da Bahia (UNEB). O suspeito, Nielton Gonçalves Soares, 27 anos, foi preso em flagrante pela Polícia Civil horas após o crime, mas até hoje não foi julgado. Atualmente ele se encontra no Conjunto Penal de Juazeiro (CPJ) (relembre).
Élida Márcia Oliveira Nascimento Souza, 32 anos – a professora foi executada com tiros na cabeça dentro do carro em que estava com o marido, Lázaro César Santana, e a filha de 2 anos, quando saía de casa a caminho do trabalho. O crime aconteceu na manhã do dia 20 de fevereiro de 2019, no bairro Castelo Branco. O Ministério Público da Bahia denunciou quatro pessoas por participação no crime: Edivan Constantino de Moraes, acusado de ter planejado o assassinato; Railton Lima da Silva, acusado de pilotar a motocicleta que transportava o atirador no momento do crime, e que estão presos no Conjunto Penal de Juazeiro; já Edvania Pereira de Morais, acusada de ser a mandante e ter planejado o crime junto com o pai; e Maicon Neves dos Santos, acusado de ter efetuado os disparos de arma de fogo contra a vítima, seguem foragidos (relembre).
Marizete Maria da Silva, 36 anos – morreu na noite do dia 21 de dezembro, no bairro Alto do Alencar. A vítima recebeu golpes de faca no pescoço e no crânio. O marido da vítima, Gilmar Flavio de Jesus, que se encontrava no local quando a viatura chegou, relatou versões controversas da situação e foi conduzido à delegacia por prepostos da Polícia Civil (relembre).
Da Redação por Thiago Santos